INSS liberou em nome de crianças R$ 12 bilhões em empréstimos consignados

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Imagine chegar à vida adulta já carregando dívidas de milhares de reais, contraídas em contratos que você nunca assinou e, pior, firmados por quem deveria proteger você? Essa é a realidade de centenas de milhares de crianças no Brasil.

Um escândalo envolvendo o INSS, revelado pelo portal UOL e confirmado pelo presidente do instituto, expõe a dimensão do problema. Atualmente, existem cerca de 763 mil empréstimos consignados ativos no nome de menores de idade, com valor médio de R$ 16 mil por contrato.

A faixa etária mais afetada é a de 11 a 13 anos, mas há registros em todas as idades, incluindo bebês de colo. Embora o INSS tenha revogado, em agosto deste ano, a regra que permitia esse tipo de contratação, todos os contratos firmados antes da mudança continuam válidos.

O advogado João do Vale, integrante da Associação Brasileira de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced) cita exemplos assustadores: em um deles, a criança nasceu em maio e, em dezembro, já tinha em seu nome uma dívida de R$ 15.593, a ser paga em 84 parcelas. Em outro, um bebê de três meses "contraiu" um empréstimo via cartão de crédito de R$ 1.650.

O presidente do instituto informou que o INSS está revisando todos os acordos com instituições bancárias, reduzindo de 74 para 59 o número de parceiras em razão de irregularidades identificadas.

Como empréstimos são liberados no nome de crianças?

Existem dois principais caminhos usados nessas fraudes:

  1. Responsáveis contratando em nome dos filhos pelo INSS
  2. Abertura de empresas no nome da criança

No caso do INSS, os contratos ativos foram feitos pelos próprios responsáveis legais das crianças, utilizando benefícios sociais recebidos por elas, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC). As parcelas eram descontadas diretamente do benefício, comprometendo a renda destinada ao menor.

Mas também há situações em que crianças têm empresas abertas em seus nomes pelos próprios familiares, o que pode ser configurado como fraude. A partir dessas empresas, parentes contratam empréstimos que, quando não são pagos, acabam sujando o CPF da criança.

A legislação brasileira até permite que menores sejam sócios, porém não podem exercer o papel de administradores. Para que a sociedade seja válida, pais ou representantes legais precisam assinar todos os documentos, o que abre brechas para abusos dentro da própria família.

Consulte empresas em seu nome

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As consequências vão muito além das dívidas: empresas podem gerar processos judiciais, multas por falta de declaração de imposto e outros entraves que acompanham a criança até a vida adulta.

Esse caso acende um alerta urgente sobre o uso indevido de dados, fraudes internas e exploração financeira infantil. Sem intervenção, essas crianças podem chegar à maioridade já endividadas por contratos que jamais autorizaram.

Caso real: André, uma criança que herdou dívidas milionárias

A história de André ilustra o impacto devastador desse tipo de situação.

Aos 15 anos, após a morte da mãe, sócia majoritária de uma empresa de navegação, ele foi colocado pelo pai na sociedade, sem consentimento e sem qualquer conhecimento. André era menor incapaz e não tinha noção do que estava acontecendo. Sob a administração do pai, que não tinha experiência em gestão financeira, a empresa foi à falência.

Aos 17, André começou a receber em casa oficiais de justiça e até a polícia militar, cobrando dívidas trabalhistas e tributárias da Receita Federal. A dívida total hoje chega a milhões de reais.

Aos 42 anos, ele ainda vive as consequências:

"Eu não posso ter absolutamente nada no meu nome. Não posso ter nenhum tipo de bem, nenhum tipo de dinheiro na conta", relatou André em entrevista ao Fantástico.

As consequências que acompanham por toda a vida

As dívidas feitas na infância podem gerar:

  • Nome negativado;
  • Processos trabalhistas e tributários;
  • Multas da Receita Federal;
  • Restrição para abertura de contas e solicitação de crédito;
  • Dificuldades futuras para conseguir emprego formal;
  • Bloqueios judiciais na vida adulta.

Trata-se de uma violação grave de direitos, que combina abuso financeiro, fraude documental e uso indevido de dados pessoais.

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Escrito por:

Thais Souza
Coordenadora de Comunicação e Conteúdo

Formada em Publicidade e Propaganda pela Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE), a Thaís escreve desde 2019 com foco na experiência e resolução das dúvidas de seus leitores.

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